24/08/2024
Em abril de 2023, o fotógrafo alemão Boris Eldagsen foi notícia em todo o mundo, ao recusar um prémio dos Sony World Photography Awards. A razão para esta recusa, explicou Eldagsen, residiu no facto de a imagem submetida a concurso ter sido gerada com recurso a tecnologias de Inteligência Artificial. O objetivo do fotógrafo era mesmo iniciar um debate sobre “o que queremos ou não considerar fotografia”, deixando uma pergunta: “Quantos de vocês sabiam ou suspeitavam que esta imagem tinha sido gerada com Inteligência Artificial?”.
O caso de Boris Eldagsen não é único. No verão de 2022, uma competição anual de arte nos Estados Unidos da América premiou um trabalho de Jason M. Allen que tinha sido criado com recurso ao programa de Inteligência Artificial Midjourney. “Ganhei e não quebrei nenhuma regra”, disse o artista ao The New York Times, “não vou pedir desculpas por isso”.
Ainda que a arte gerada através de Inteligência Artificial não seja uma novidade – há 50 anos, o pintor Harold Cohen desenhou um programa que criava pinturas, por exemplo – o surgimento de soluções como DALL-E 2 ou Midjourney têm permitido a milhões de pessoas em todo o mundo gerar trabalhos artísticos a partir de um conjunto de palavras-chave. Esta possibilidade tem levado ao debate sobre a ligação entre conceitos como arte, autoria ou criatividade.
Parte do debate encontra na Inteligência Artificial um “aliado” para a arte. Como salienta Louis Anslow, na plataforma Freethink, a ligação entre tecnologia e arte não é nova. Recordando invenções como a prensa de Gutenberg, a fotografia ou até o sintetizador, Anslow sublinha que “a arte sempre foi o produto de novas técnicas – de desenhos nas paredes de uma cave a pinceis com tinta, de penas até aos processadores de texto”.
O autor recorda a reação do poeta Charles Baudelaire à fotografia enquanto nova expressão artística. Em 1859, Baudelaire escrevia que se tratava de criatividade sintética, classificando a fotografia como um substituto artificial e sintético para a verdadeira arte. “É uma noção que seria atraente na altura, tal como críticas semelhantes e atuais que são colocadas à arte gerada por Inteligência Artificial”, destaca Anslow.
Por outro lado, a massificação da criação de imagens a partir de inteligência artificial tem levado alguns grupos a chamar a atenção para possíveis consequências. A campanha #NotoAIArt tem recebido várias contribuições nas redes sociais, nomeadamente de artistas de todo o mundo. Uma das questões levantadas por vários artistas é a forma como estas tecnologias de Inteligência Artificial se baseiam em trabalhos já realizados, podendo copiar ou emular traços ou elementos característicos de autores.
Esta é uma dinâmica que fica sobretudo clara em novas tendências como as “AI Covers” – versões de músicas criadas por Inteligência Artificial que emulam as vozes de artistas a interpretar temas de outros autores. É possível, por exemplo, ouvir Kanye West a cantar Coldplay ou Michael Jackson a interpretar Blinding Lights de The Weeknd, entre muitos outros. A mesma preocupação já levou grandes estúdios como a Universal a destacar que este tipo de criações prejudica os artistas, como noticiado pelo Financial Times.
Questões éticas também se levantam ao utilizar IA para recriar a voz ou até mesmo a presença física de artistas.Em 2023, numa campanha publicitária para celebrar os 70 anos da Volkswagen no Brasil, a agência AlmaBBDO utilizou ferramentas de IA para colocar Elis Regina, famosa cantora brasileira falecida em 1982, a cantar lado a lado com a sua filha Maria Rita. O vídeo tornou-se viral e dividiu muito as opiniões dos internautas, levantando questões éticas sobre a “ressuscitação” e recriação da voz de artistas já não presentes fisicamente, especialmente para fins comerciais.
Para além das questões ligadas à autoria e à ética, há quem reflita também sobre a própria essência da arte e do processo criativo. O ilustrador britânico Rob Biddulph, por exemplo, disse ao The Guardian considerar que o conceito de arte gerada por Inteligência Artificial é algo “sem sentido”. “É o exato oposto do que acredito ser arte”, realçou, explicando que, na sua opinião, “arte consiste em traduzir alguma coisa que se sente internamente para qualquer coisa que existe externamente”. “Em qualquer forma artística, a verdadeira está muito mais ligada ao processo criativo do que à peça final”, reforçou, concluindo: “e pressionar um botão para gerar uma imagem não é um processo criativo”.
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